novembro 13, 2011

O papel da cenografia no filme “Quem Quer Ser Um Milionário?” por Luana Araújo.


Em qualquer obra audiovisual a cenografia é indispensável, não importando o tipo da obra, se é uma grande produção ou não. É impossível imaginar qualquer material deste tipo sem atentar para a composição do ambiente, principalmente nas obras de ficção. Até mesmo no documentário, mesmo sem a necessidade de interferência na criação de um local de gravação, a preocupação com ele existe, e, nesse caso, é pensado com base no ambiente preexistente do referencial a ser documentado, considerando os critérios de estética, iluminação.
Na obra de ficção “Quem Quer Ser Um Milionário” o referencial cenográfico tem uma extrema importância no que se liga à lógica da narrativa transmitida, embora ela aconteça sem obrigatoriamente obedecer uma ordem cronológica. O sentido geral só pode ser compreendido pelo espectador graças à interferência que a mudança cenográfica proporciona nas transições.
No filme, a relação com o tempo se deu de forma variada, ele existe no presente confirmado nos cenários do programa de TV de da delegacia. Existe o tempo cronológico no desenvolvimento da história quando acompanhamos a evolução dos fatos que fazem Jamal chegar às respostas e também existe o tempo psicológico, gerado pela memória do rapaz quando revive suas experiências, pois nós vimos o que ele viu, parecendo ser algo longo, quando na verdade durou poucos segundos que é o tempo obrigatório da resposta pelas regras do programa. Toda a construção cenográfica teve se ergueu em cima dessas variações espaço-temporais.



Temos como base espaço temporal dois ambientes centrais: a delegacia onde Jamal é interrogado e torturado e o cenário do programa de TV ''Quem Quer Ser Um Milionário?'' Estes locais indicam a ação dramática no tempo presente, além de funcionar como eixo direcionador da trama. A partir deles temos visualmente todas as outras vivências que remetem às experiências de vida de Jamal, quando ele narra sua história ao ser interrogado pela polícia e à medida que avança nas perguntas do talk show em busca da fortuna de 20 milhões de rúpias.



O tempo no presente demonstrando nesses locais servem também para a confirmação de uma mudança radical na vida do protagonista, que deixa de ser um menino da favela para se tornar um milionário. Essa lógica retrata o pensamento social preexistente de recompensa ao ser humano que é bom, e a ingenuidade natural dele, confirmada ao longo do filme pelas etapas que ele viveu, servem para justificar esse ideário.



Mesmo assim, o cerne da trama é a história de Jamal por si só e o cenário demostrado atesta isso, nenhuma vez apareceu uma nova ambientação totalmente oposta de todos os outros locais por onde ele passou. Em nenhum momento sua vida é mostrada como sendo a de um milionário sequer pelo vestuário.
No modo de estruturação do filme, como anteriormente exposto, existe o referêncial às experiências de Jamal à medida que ele é interrogado, nesse questionamento vão aparecendo diversos outros lugares essenciais na sua trajetória, com momentos específicos e significantes que construiram sua percepção de vida, além de acompanhar a evolução física e psicológica dos três personagens principais: Jamal, Latika e Salim.



Tal cenografia sempre remete ao passado, ressaltando acontecimentos ligados à sua infância e adolescência. Nesse sentido não existe uma quebra temporal que modifique assustadoramente o cenário no quesito arquitetônico e decorativo. Mais drasticamente ela acontece quando ele se encontra com Salim, numa visão panorâmica da favela  que se transformara em prédios, atestando que aquele lugar não era mais deles. Cronologicamente não existe um salto muito grande. Os outros eixos localizadores fixos da história são: a favela de Mumbai onde ele vivia quando a mãe ainda era viva, o lugar onde passou a viver quando mendigava, o escritório de telemarketing no qual trabalhava, e a estação de trem.



É aí que podemos destacar a diversidade cenográfica e beleza estética do filme, mesmo que ele se passe num tipo de lugar naturalmente desordenado e feio se considerarmos um padrão urbanístico organizado e belo. A nós só é possível compreender o enredo através deste referencial revivido quando ele nos conta sua história. Se fosse apenas a voz, a riqueza de sentido e cenográfica perderia todo seu valor, o cenário é em parte um protagonista, porque é nele que temos a reconstrução dos fatos. Isso não serve apenas na formação do entendimento do espectador,  pois o local por si só é extremamente importante. Não é àtoa que Jamal é chamado várias vezes de “favelado”.



Mostrar o lugar de onde ele veio serve para demonstrar quem ele é ou que esperamos que ele seja, principalmente pelo fato dele ser um menino pobre e sem estudo. A carga simbólica contida nesses locais e o significado generalizador que temos a respeito das pessoas que nele vivem são outro fato indispensável que geraram a dúvida no apresentador do programa. Como podia um favelado ter conseguido ganhar mais que doutores e pessoas letradas?
Essa ideia geral construida em cima das pessoas oriundas de lugares pobres é outra grande questão contida, o preconceito é reafirmado e por causa disso ele sofre tortura. Sem isso, ele não precisaria nos recontar sua história nem dar à memória um status importantíssimo nessa reconstrução. 


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